Os museus brasileiros estão passando por uma transformação significativa para garantir a inclusão de todos os públicos, especialmente aqueles com deficiência visual. No Ceará, iniciativas inovadoras estão sendo implementadas para proporcionar experiências sensoriais únicas, permitindo que pessoas cegas e com baixa visão possam apreciar a arte de maneiras antes inimagináveis. Recursos como peças táteis e audiodescrição não apenas expandem a compreensão das obras, mas também garantem o direito de todos ao acesso à cultura.
Neste ano, a 18ª Primavera dos Museus mobilizou mais de 900 instituições pelo Brasil, promovendo o tema “Museus, acessibilidade e inclusão”, sob a coordenação do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram). O foco da iniciativa é superar barreiras físicas e culturais, possibilitando que indivíduos historicamente excluídos possam interagir e se sentir acolhidos nesses espaços.
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Desenvolvendo experiências sensoriais
A artista e pesquisadora Rebecca Barroso, cega e doutoranda em Linguística Aplicada pela Universidade Estadual do Ceará (UECE), tem vivenciado em primeira mão as contradições que a visita a museus pode provocar. Enquanto alguns locais carecem de infraestrutura adequada, dificultando a interação, as oportunidades de contribuir para projetos de acessibilidade têm sido um passo significativo em sua luta por inclusão.
Rebecca aponta: “Em termos de barreiras arquitetônicas, encontramos desde a falta de sinalização tátil até a ausência de rampas e elevadores adequados. Em relação às barreiras atitudinais, muitas vezes os funcionários não estão capacitados para atender o público com deficiência de forma inclusiva e respeitosa.”
Desde 2019, Rebecca se dedica a tornar as obras de arte mais acessíveis, colaborando em exposições que incorporam peças táteis e recursos de audiodescrição. Ela participa da fase de testes, onde avalia se as informações transmitidas por ambos os recursos promovem uma experiência de acesso satisfatória.
“Audiodescrição e obras táteis são algumas das ferramentas que uso para garantir que todas as pessoas possam se engajar e se conectar com a arte, independentemente da visão. Ser uma artista invisual é trabalhar para que a arte seja acessível a todos,” compartilha Rebecca. Essa abordagem não só beneficia pessoas com deficiência, mas também promove a empatia e uma maior conscientização sobre as diversas formas de percepção.
Explorando a arte pelo toque
O projeto “Fotografia Tátil como ferramenta de inclusão social de pessoas com deficiência visual”, vinculado ao curso de Design da Universidade Federal do Ceará (UFC), tem criado soluções que tornam informações sobre artes visuais acessíveis ao toque. O professor Roberto Vieira, um dos responsáveis pelo projeto, relembra a origem da ideia: “A inspiração veio quando fui convidado a fazer doações para uma associação de pessoas cegas em 2013. Desde então, busquei formas de promover mais acessibilidade.”
O projeto começou com oficinas para fotógrafos cegos e, desde então, tem desenvolvido peças táteis utilizando materiais como acrílico e MDF. Essas criações estão atualmente em exibição na Pinacoteca do Ceará, onde o público pode interagir com as obras da artista suíça Claudia Andujar.
“Nós optamos pelo acrílico nas últimas peças de fotografia porque permite imprimir a própria foto original. A transparência do material possibilita um contraste visual interessante para quem tem baixa visão,” explica Roberto. Ele detalha ainda que as peças são projetadas com um planejamento rigoroso, considerando texturas e planos para garantir uma experiência tátil rica e informativa.
Harmonização entre audiodescrição e peças táteis
A colaboração entre a UFC e o Laboratório de Tradução Audiovisual (Latav) da UECE tem sido fundamental para o desenvolvimento sinérgico das peças táteis e da audiodescrição. “A harmonização entre as peças táteis e a audiodescrição é o processo principal. A consultora, que é a pessoa com deficiência visual e também audiodescritora, tateia as peças e ouve a audiodescrição, fazendo sugestões que garantem o sucesso desse processo,” afirma Vera Santiago, pesquisadora do Latav.
As práticas de audiodescrição não se limitam a descrever as obras, mas buscam transmitir a emoção e a singularidade do trabalho artístico. Ao abordar exposições, a equipe garante que a descrição complemente a experiência visual, ajudando todos os visitantes a se conectarem com as obras em um nível mais profundo.
Compromisso com a inclusão
Na Pinacoteca do Ceará, iniciativas como vídeos com tradução em Libras, textos em braille e rampas de acesso fazem parte de um esforço contínuo para tornar a arte acessível. Alana Oliveira, Supervisora de Acessibilidade da instituição, afirma: “Disponibilizar caminhos para que o conteúdo seja apreciado por pessoas com diferentes tipos de deficiências é trabalhar para garantir o direito dessas pessoas de acessar os equipamentos culturais.”
O museu promove um mapa tátil que orienta os visitantes sobre o que encontrar em cada espaço, enquanto as peças táteis incluem instruções em braille. A tecnologia NFC (comunicação por campo de proximidade) permite que os usuários ativem a audiodescrição diretamente em seus celulares, promovendo uma interação mais fluida.
O papel das instituições culturais é, portanto, não apenas de exibir obras, mas de promover um ambiente inclusivo, onde a diversidade de experiências é celebrada e todos podem encontrar seu lugar.
Imagem: Freepik