Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) se deparou com um dilema significativo que pode impactar diretamente as cotas para pessoas com deficiência (PcD) e jovens aprendizes em empresas de transporte de valores. O cerne da questão envolve a adequação das cotas exigidas pela legislação trabalhista às particularidades deste setor, que enfrenta a escassez de mão de obra qualificada e regulamentações rigorosas. Duas ações diretas de inconstitucionalidade foram apresentadas, buscando esclarecer se a atividade de alto risco dessas empresas permite uma flexibilização das exigências legais.
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O contexto das ações diretas de inconstitucionalidade
As ações, ADI 7.668 e ADI 7.693, foram protocoladas pela Federação Nacional das Empresas de Transporte de Valores (Fenaval) e pela Associação Brasileira das Empresas de Transporte de Valores (ABTV), representadas pelo escritório Plauto Cardoso Advogados. O objetivo é excluir a função de vigilante armado da base de cálculo das cotas, pleiteando uma interpretação mais favorável das regras definidas no artigo 93 da Lei 8.213/1991 e no artigo 429 da CLT.
O relator das ações, ministro Gilmar Mendes, decidiu adotar o rito abreviado, levando o caso diretamente ao Plenário sem a necessidade de análise preliminar. Desde então, o STF tem recebido diversas manifestações sobre o tema.
Desafios para a inclusão de PcD e jovens aprendizes
Os autores das ações destacam dois problemas centrais: a escassez de profissionais com deficiência qualificados para a função de vigilante armado e a falta de um curso de formação específico para jovens aprendizes nesta área. A Associação Brasileira de Curso de Formação e Aperfeiçoamento de Vigilantes (ABCFAV) revelou que, em um levantamento recente, não houve procura de PcD para o curso de formação necessário para trabalhar no setor de transporte de valores.
A Polícia Federal, responsável pela credenciamento das escolas de formação, corroborou a dificuldade, indicando que a função exige esforço físico e mental intenso, o que inviabiliza a participação de pessoas com deficiência. Apesar dessa realidade, a PF reafirma que “todo e qualquer profissional PcD que estiver apto e concluir com êxito o curso de formação de vigilantes para o setor de Transporte de Valores junto à Polícia Federal poderá ser contratado”.
O impasse dos jovens aprendizes
A situação para os jovens aprendizes é igualmente complexa. A nova legislação, Lei 14.967/2024, estabelece que a idade mínima para atuar como vigilante é de 21 anos, enquanto o limite para jovens aprendizes, segundo a CLT, é de 24 anos. Dados da Polícia Federal indicam que, entre os 833,6 mil profissionais aptos a trabalhar como vigilantes, apenas 1,1 mil possuem a extensão em transporte de valores, representando apenas 0,13% do mercado.
A ABTV argumenta que o Ministério Público do Trabalho (MPT) tem imposto de maneira acrítica o cumprimento das cotas, ignorando a escassez de mão de obra qualificada em um setor que já enfrenta desafios consideráveis.
Implicações para o STF e o TST
A solução que o STF pode adotar remete à interpretação do Tema 1.046 da repercussão geral, no ARE 1.121.633, onde o Plenário validou acordos coletivos que restringem direitos trabalhistas, desde que não sejam garantidos pela Constituição. Para o advogado Gáudio Ribeiro de Paula, esta é uma oportunidade para o STF definir uma base de cálculo das cotas que leve em consideração as especificidades do setor.
Entretanto, a Advocacia-Geral da União (AGU) defende que as cotas não devem ser relativizadas. Segundo o órgão, as funções que compõem a base de cálculo das cotas não necessariamente precisam ser preenchidas por PcD e jovens aprendizes nas atividades mais críticas da empresa.
A Central Única dos Trabalhadores também expressou sua posição, solicitando ingresso como amicus curiae, enfatizando que não há exigência legal para que os cotistas ocupem todos os cargos da empresa. A petição argumenta que o que é requerido é uma quota mínima de funcionários que devem ser alocados em funções que considerem suas habilidades.
Reflexões finais
A questão das cotas para PcD e jovens aprendizes no setor de transporte de valores representa um desafio complexo que envolve legislação, mercado de trabalho e a proteção de direitos.
A análise do STF pode redefinir as expectativas e os requisitos legais, oferecendo uma solução que equilibre a inclusão social e a viabilidade das empresas em um setor altamente regulado. Gáudio de Paula destaca que a discussão deve ser pautada pela razoabilidade, evitando que a proteção excessiva das normas jurídicas se torne um obstáculo à inserção de PcD e jovens aprendizes no mercado de trabalho.
Imagem: Jefferson Bernardes/ shutterstock.com